Tratamos nossos presos e doentes mentais com raiva e vingança
Por Gustavo Mascarenhas Lacerda Pedrina
Tratamos nossos presos e doentes mentais com raiva e vingança
Estou na Holanda desde o final do ano passado realizando estágio de investigação em Direito Penal na Universidade de Utrecht. Para aumentar minha experiência aqui, me inscrevi também em algumas matérias do curso de Direito. Numa delas, a aula foi no Pieter Baan Ceter, um centro de avaliação psiquiátrica para onde são mandados os detentos que cometeram crimes graves, como assassinato e estupro, antes do julgamento.
O objetivo da lei é dizer, pela avaliação de um time de psicólogos, psiquiatras, conselheiros legais e cuidadores, se um crime tão grave foi cometido por um desvio ou doença mental pré-existente ou não. Isso tudo em fase de instrução, pré-julgamento.
O prédio fica num bairro nobre há cinco minutos a pé da minha casa e, que de fora, não lembra em nada uma prisão. É só mais um prédio. Eu só descobri que era uma prisão porque a aula era naquele endereço. Na entrada, é possível identificar todos os procedimentos de segurança habituais de uma de uma casa de detenção, mas só. Não há revista vexatória, nem nada do tipo. Também não há “carcereiros”, mas cuidadores armados apenas com um alarme que solicita a entrada de guardas, sem armas letais. Os presos ficam em celas individuais que mais parecem quartos, e só lembram que são celas pelas portas típicas.
Todos estão submetidos a regras rígidas, mas existe um cronograma de atividades diárias e busca-se analisar o comportamento deles ali, para saber se oferecem risco à sociedade ou se têm doenças mentais. Psicólogos, psiquiatras, conselheiros legais e dos próprios carcereiros-orientadores são responsáveis pelo relato que será encaminhado ao juízo. Os presos sabem disso, mas também sabem que ficarão ali por sete semanas (nunca mais, nem menos) e em algum momento, se tentarem se passar pelo que não são, isto será relatado. Se forem considerados doentes, são mandados para uma instituição semelhante a fim de receberem tratamento, e onde podem ficar por período indeterminado, sendo tratados.
A minha dúvida depois de tudo isso foi de como explicar ao final para os meus colegas europeus, americanos e australianos que no Brasil não somos capazes de chegar nem perto disso. Muitos já ouviram histórias de violência no Brasil, mas nenhum deles espera ouvir um relato do que é um manicômio judiciário brasileiro. A verdade é que tratamos nossos presos e doentes mentais com raiva e vingança.
Não nos preocupamos em dar um tratamento adequado ao sistema prisional, mas queremos sempre uma sociedade melhor. A maior prova disto nos últimos dias foi a guinada de atraso dada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, ao decidir que os presos da AP 470 devem cumprir 1/6 de suas penas antes de terem direito ao trabalho externo. Qual é a finalidade de uma decisão dessas num caso específico, passível de ser estendida para outros milhares e super lotar ainda mais as penitenciárias brasileiras, senão a pura vingança?!
Não discutimos a construção de prisões e instituições de tratamento descentes, temos “casas dos mortos” e simplesmente vivemos com isso.
Não aplicamos de maneira séria a verdadeira finalidade das penas. Temos “justiceiros” nas ruas e nos programas de televisão.
Como eu explico para os meus colegas o que é um “justiceiro” no país que vai sediar a Copa do Mundo daqui a um mês? E como eu digo que o presidente da Suprema Corte encarna ele mesmo um “justiceiro’’?
Na hora, ao final da aula, eu desisti, boa parte da sociedade do meu país, o país que amo e onde quero viver, deve estar doente (a começar por quem deveria ser o exemplo). Precisamos de tratamento, logo.
Publicado em 16 de maio de 2014 no site www.conjur.com.br