Prisão em flagrante: o que é, quem pode, quando ela se dá e seus principais mitos
- Direito Penal
- 07/03/25
Prisão em flagrante: o que é, quem pode, quando ela se dá e seus principais mitos
Por Matheus Baptiston Herdy Menossi Pace
O que é prisão em flagrante? Definição e tipos previstos na lei
A prisão em flagrante ainda é um assunto envolto em mitos e dúvidas. Muitos brasileiros não sabem ao certo o que ela é, em quais casos ela pode acontecer, e nem quem pode realizá-la. Não só: mesmo com seus recém completados 10 anos de existência no Brasil, ainda há muita dúvida sobre a realização da audiência de custódia, etapa que deve suceder imediatamente à prisão.
Para esclarecer as dúvidas, é preciso começar pelo básico: elucidando-se o que é a prisão em flagrante.
O que é a prisão em flagrante, e quais são seus principais tipos, de acordo com o Código de Processo Penal
A Constituição da República estabelece que, em regra, a prisão de um indivíduo só pode ocorrer com prévia ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária. São as hipóteses, por exemplo, das prisões preventivas, temporárias e definitivas. A exceção a essa regra, entretanto, é prevista pela própria Constituição, que traz a possibilidade de qualquer indivíduo ser preso sem essa prévia ordem judicial – trata-se justamente das hipóteses de prisão em flagrante.
Esse tipo de medida ocorre quando uma pessoa:
- É pega cometendo um crime;
- Acabou de cometer um crime;
- É perseguida, por qualquer um, em situação que faça presumir que ela é a autora da infração;
- É encontrada, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ela a autora do crime.
Conforme também dispõe o Código de Processo Penal, a prisão em flagrante pode ser realizada por qualquer pessoa do povo. Nesse sentido, não são apenas policiais ou agentes de segurança que podem deter um indivíduo que está ou que acabou de cometer o crime. A diferença, apenas, é que essas pessoas têm o dever legal de assim o fazer.
Flagrante esperado, e prorrogado: entenda essas modalidades
Existem ainda outras categorias de flagrante que não estão previstas no artigo 302 do Código de Processo Penal, mas que são elencadas pela doutrina. Dentre elas, está o flagrante esperado, no qual a polícia recebe a informação de que um crime será cometido, por exemplo, e aguarda no local ou próximo a ele para realizar a prisão. Em outra ponta, há também a possibilidade de realização do flagrante prorrogado, hipótese em que a ação policial é retardada para que maiores obtenções sejam obtidas sobre o criminoso ou sobre o próprio crime.
Prisão em flagrante dentro de casa: mito ou verdade?
Um mito muito disseminado é o de que as prisões em flagrante não podem ocorrer dentro da casa de um indivíduo. No entanto, o cenário é mais complexo: a prisão é autorizada se houver um prévio mandado judicial de busca e apreensão e dentro da residência estiver sendo praticado algum crime (como o armazenamento de drogas). Em igual sentido, plenamente possível que, mesmo sem mandado judicial, e tendo sido constatado que um crime está em curso dentro da residência, que se adentre à casa para realização da prisão.
Outra situação, objeto de controvérsia, é quando determinada pessoa pratica um crime e, empreendendo fuga, adentra a sua residência ou de terceiros. Nesse caso, a entrada na residência também é permitida, com a finalidade específica de realização de mencionada prisão.
Direitos do preso em flagrante: o que a lei garante?
Em todos os casos, é importante ressaltar que a pessoa detida tem direitos irrevogáveis. Em primeiro lugar, destaca-se o fato de que policiais não podem forjar flagrante. Se um agente de segurança incentiva ou provoca alguém a cometer um crime para prendê-lo, a prisão não tem validade e a pessoa deve ser posta em liberdade.
Além disso, todos os detidos em flagrante, quando conduzidos à delegacia de polícia, têm o direito de permanecer em silêncio, se assim desejarem, sendo que esse direito deve ser informado pela polícia. Ao contrário do que diz a crença popular, de que “quem cala consente”, ou de que “quem não deve, não teme”, uma pessoa presa em flagrante tem o direito de não fornecer qualquer declaração e de não colaborar com a investigação. Além disso, em qualquer hipótese, o preso tem o direito de saber o motivo pelo qual está sendo preso, e de informar uma pessoa próxima ou familiar de sua prisão.
Como um advogado pode ajudar na prisão em flagrante?
Sempre que realizada uma prisão em flagrante, o indivíduo detido tem o direito de solicitar ser acompanhado por um advogado, inclusive com o direito de apenas prestar suas declarações em sua presença. O advogado representa um ator essencial nesse momento, pois deve garantir os direitos do preso, argumentar junto ao delegado, eventualmente requerendo o arbitramento de fiança ou mesmo o relaxamento da prisão em flagrante. Sua presença é fundamental para que a pessoa detida também tenha tratamento adequado, coibindo-se eventuais abusos por parte dos agentes policiais.
Audiência de custódia: como funciona e qual sua importância?
A audiência de custódia é um procedimento jurídico que deve ser realizado até 24 horas após a prisão em flagrante. O objetivo dessa prática é colocar o detento em contato com um juiz, que avaliará se a prisão em flagrante está regular, e se é o caso de converter referida prisão em prisão preventiva, com a manutenção da privação de liberdade do detido.
No Brasil, as audiências de custódia surgem em 2015, por iniciativa do Conselho Nacional de Justiça, a partir da Resolução nº 213/2015. A prática, no entanto, já era há muito prevista em tratados internacionais de direitos humanos, como o Pacto de San Jose da Costa Rica, ou mesmo o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
Fato é que, desde que começaram a operar no Brasil, em 2015, 1,7 milhão de audiências de custódia já foram realizadas. Em 39,4% dos casos, os detidos foram liberados, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Seu procedimento costuma ser simples: apresentado perante um juiz de direito, na presença de um promotor de justiça e um defensor (seja ele público ou um advogado constituído), o preso tem a possibilidade de narrar eventuais irregularidades, como agressão física ou tortura por parte dos agentes policiais, e outros fatos relevantes para análise da necessidade de manutenção da prisão ou não.
Geralmente, é nesse momento que a pessoa detida informa qual é sua ocupação e quanto aufere por mês, em média, se tem residência fixa, se alguém depende de seus cuidados, se ela é acometida por algum problema de saúde, se possui antecedentes, e assim por diante. Vale ressaltar que a boa atuação de um advogado neste momento é essencial, não só para acompanhar o indivíduo detido e informar-lhe de seus direitos e do próprio procedimento, como para tentar garantir a liberdade do preso e, sobretudo, fazer com que a lei seja cumprida.
Importante ressaltar que as audiências de custódia representam um avanço significativo no cumprimento de direitos humanos, evitando prisões em flagrante ilícitas, a permanência de determinado indivíduo no cárcere sem que haja necessidade, e o abuso policial. O Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) ressalta que, antes da adoção dessa medida judicial, uma pessoa ficava, em média, longos 120 dias presa aguardando o primeiro contato com o juiz.
Acerca disso, também merece nota o fato de que, desde 2019, a audiência de custódia passou a ser procedimento obrigatório, previsto em lei, nos termos do art. 3º-B, §1º, do Código de Processo Penal, sendo que a prática também foi estendida para prisões provisórias, abarcando não só as prisões em flagrante.
A prisão em flagrante é um instrumento essencial no combate ao crime, mas sua aplicação deve ser feita de maneira criteriosa e atenta, para evitar abusos e detenções ilegais. O procedimento, embora muitas vezes cercado de mitos, segue diretrizes legais simples e que devem ser respeitadas de maneira ética e adequada. O conhecimento da população sobre essa medida e sobre seus próprios direitos, nesse sentido, contribui para o correto funcionamento do procedimento e do próprio sistema de justiça.