Surto estratégico ou efetiva incapacidade de compreensão dos fatos?

Surto estratégico ou efetiva incapacidade de compreensão dos fatos?

Por Marcelo Feller e Thais Rego Monteiro

Sequestro de recém-nascido: médica alega surto psicótico

O sequestro de recém-nascido da maternidade frequentemente aparece no noticiário, mas um caso recente se destaca pela autora: uma médica neurologista. A justificativa dada por ela foi um surto psicótico por conta de grande pressão pessoal e profissional.

Por outro lado, um surto, que é uma crise na alteração de comportamento e pensamento, não traz como característica a premeditação e, segundo as investigações, havia um enxoval pronto para receber a criança na casa da médica, o que pode afastar a alegação defensiva.

A complexidade da saúde mental no sistema jurídico

Essa situação levanta uma discussão relevante: como o estado de saúde mental influencia na punição ou substituição da punição por tratamento de saúde?

O Código Penal brasileiro prevê isenção de pena para quem, por doença mental, era incapaz de entender o caráter ilícito de sua ação, e redução de pena se a pessoa não tinha capacidade plena de compreender a ilegalidade do ato.

Exame de sanidade mental

Em conformidade com o procedimento padrão, a médica deverá ser submetida a um exame de sanidade mental para determinar sua incapacidade mental no momento do crime. Se o exame confirmar o surto psicótico, ela poderá ser submetida a uma medida de segurança, que pode incluir internação em hospital de custódia ou tratamento ambulatorial.

Surto psicótico e responsabilidade criminal

Muitas vezes as pessoas pensam que aqueles com doença mental não recebem punição, mas a realidade é que podem ser excluídos da sociedade e mantidos em condições precárias nos hospitais de custódia, devido à falta de recursos, por muitos anos. Nesse contexto, uma pessoa com doença mental pode ter um período de reclusão maior do que uma pessoa imputável, sem problemas mentais. Em alguns casos, inclusive, a alegação de doença mental não é feita justamente porque pode aumentar o período de privação da liberdade.

Por outro lado, quando é comprovado um surto psicótico transitório, ou seja, uma crise momentânea durante o ocorrido, como neste caso, pode não ser necessário o tratamento com internação. Em vez disso, pode-se determinar apenas um ‘tratamento ambulatorial’. Isso ocorre porque, no momento do julgamento, a pessoa pode já não apresentar mais o quadro, tornando desnecessária uma internação.

No caso em questão, se o exame não confirmar o surto psicótico, a alegação defensiva deve ser afastada, resultando em uma punição convencional. No entanto, há situações em que indivíduos que cometem crimes graves, conscientes da gravidade de seus atos, podem tentar alegar inimputabilidade temporária para evitar punição. Isso exige uma avaliação rigorosa para prevenir falsos diagnósticos.